Já afirmou Harold Bloom, talvez o maior especialista em Shakespeare vivo, que a peça Hamlet é nada mais nada mesmo que um “poema ilimitado”. Ilimitado em sua beleza, magia e profundidade. Trata-se de uma das obras que toda pessoa, que após atingir a maturidade deveria, em algum momento, se sentar e ler com atenção. Confidencio aqui o valor especial que tal texto tem para mim. Anualmente, sempre nos momentos mais sombrios de minha vida, quando tudo parece mais cinza que o normal, quando bate aquela vontade de ficar quieto, a sós, quando agonizamos a existem do ser que somos, nossos dilemas e sofrimentos, nossos lamentos e o preços de nossas escolhas, quando tudo parece terminar numa encruzilha dantesca, volto-me para Hamlet. E ao mergulhar em suas páginas, tal como a fênix, aprendi a me renovar. Na verdade encontram-se ali as indagações de toda nossa existência – mas atenção, eu disse indagações, não respostas! Pois assim como ilimitado é o poema, múltiplas são as formas como cada um achará as soluções para os quebra-cabeças e charadas que as vida nos impõem. Pois assim é Hamlet! Chamado pelo espírito de seu pai para aplacar as fúrias da vingança contra aqueles que o assassinou, o jovem príncipe da Dinamarca se questiona – e quem nunca assim o fez? – por quê? Por que dentre todas as pessoas do mundo é dele o fardo de colocar o mesmo mundo de volta ao eixos, fazer justiça (ou vingança) e reestabelecer a ordem natural das coisas? Não é um fardo pesado demais? Ora, de fato, o é para Hamlet, como qualquer um de nós. Todavia, entre o dilema de “ser” ele – ou “não ser” – o responsável, ela opta por “deixar ser” arquitetando uma maquiavélica vingança contra os principais nomes da Dinamarca (o que inclui o atual Rei, sua mãe e seus comparsas). É a partir daí que a peça ganha desenvolvimento. Também é fato que é a partir de Hamlet que a literatura descobriu o humano; isto é, trata-se do primeiro texto no qual um personagem expõe a sua audiência os seus pensamentos, nos tornando cumplices de toda a trama e toda a tragédia. Ao todo momento o maior interlocutor de Hamlet e o único a conhecer suas reais intenções, somos nós, seus leitores/ouvintes/confidentes. Outra grande maravilha do texto, é que se trata se uma peça dentro de muitas peças (e não foi mesmo Shakespeare que afirmou que a “vida é um palco” – e por sua vez, Oscar Wilde emendou: “mas o elenco é péssimo!”). E é no interior dessa espiral que os fatos de desenrolam desencadeando uma avalanche de acontecimentos que marcam a Tragédia, que não polpa nem Hamlet, nem sua amada (?) Ofélia. Interessante é que a todo momento, vemos Hamlet se desenvolver e amadurecer. De príncipe herdeiro, quase um neófito nos assuntos da política e da vida do Estado, a se tornar um estrategista com um humor e uma astúcia ímpar na literatura. Curioso, é claro, está no fato de que o único a empatar em inteligência com jovem seja o humilde, mas não menos sarcástico coveiro. Também se deve chamar a atenção, como faz Bloom, para as múltiplas interpretações que o personagem acabou recebendo: no clássico de Laurence Olivier (1948), é injustamente retratado, como também faz Nietzsche, como um indeciso, um vacilante; na montagem de Franco Zefirelli (1990), vemos alguém atormentado, quase insano – outra injustiça; apenas o Hamlet de Kenneth Branagh (1996) faz jus à complexidade do texto (até por respeitar toda a integridade do texto original). Fato é que ler/assistir a trama muitas e ilimitadas perguntas se abrem ao expectador mais atento. No fim, nós somos um pouco de Hamlet em nossas vidas. Somos as escolhas que fazemos e o preço que pagamos. Ser apenas mais um da audiência que vê o mundo sem coragem de assumir a “virtu” necessária para domar a roda da “fortuna” (destino) não é a opções daqueles que – como Hamlet – optam por serem agentes de transformação de uma realidade. Mas tudo tem seu preço, e estaremos dispostos a assumir a responsabilidade pelos atos que desencadeamos? Aqui reside a diferença entre Hamlet, por exemplo, de Romeu. Ser um “jogue do destino” - como este último em suas últimas palavras acaba se reconhecendo – não é a escolha (que nem de longe é mais fácil ou diferente em resultados, mas isso é outra história) de nosso (anti)herói. Ele opta pela autenticidade, e isso o faz único, o faz humano. O que me lembra Eddie Vedder (do Pearl Jam): “I know I was born and I know that I'll die / The in between is mine / I am mine”.
>>Enviado pelo seguidor Pedron